Extensão (2021-2023): ORALIDADES, MULTILINGUISMOS E LETRAMENTOS POLÍTICOS: DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO

ORALIDADES, MULTILINGUISMOS E LETRAMENTOS POLÍTICOS: DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO

CONTEXTO DA PESQUISA: OLHARES TEÓRICOS

Este projeto de extensão propõe um diálogo entre as políticas linguísticas e a esfera educacional no que tange três elementos interligados: os conceitos de língua e oralidade, as propostas de educação multilingue e os letramentos políticos. Buscamos uma abordagem sensível às realidades locais, criando, em parceria com os sujeitos interessados, projetos que reconheçam a pluralidade linguística, a partir da perspectiva local em diálogo com discursos e práticas institucionalizados. Reconhecemos o papel que a educação escolar desempenha na legitimação institucional de uma língua, daí a importância da escola reconhecer a diversidade a partir dos interesses e visões locais. Contudo, defendemos que o problema da legitimidade deve ser visto não apenas a partir dos discursos e práticas institucionalizados – Estado, escola, universidades –, mas também daquilo que as comunidades reconhecem como sendo legítimo (SEVERO, 2020).

Em termos de políticas educacionais internacionais e transnacionais, podemos mencionar os discursos e orientações da UNESCO, que defende os direitos linguísticos como uma das principais bandeiras de grupos minoritários, com o reconhecimento e validação educacional de suas línguas. Acordos internacionais têm orientado tanto o uso de línguas de grupos indígenas e minoritários, como de imigrantes e refugiados, a exemplo de: Declaração dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas (1992); Convenção e recomendação contra a discriminação na educação (1960); e Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias (1990). De forma geral, esses documentos apontam para a importância do uso escolar das línguas maternas das crianças no processo educacional, com vistas a sua inclusão e efetiva participação.  A educação multilingue ou bilíngue postulada pela UNESCO, em atenção à realidade plural de várias sociedades, reconhece, promove e valoriza o uso de duas ou mais línguas como meios de instrução (SEVERO, 2020). Buscamos, neste projeto, criar espaços de debate sobre conceitos de língua, oralidade e educação multilíngue, em prol de uma visão comprometida com as práticas e repertório linguísticos dos sujeitos e das comunidades. Exemplo desse conceito são os multilinguismos do sul (southern multilingualisms), que  levam em conta a perspectiva de sujeitos historicamente marginalizados, pelas vias coloniais ou outros mecanismos de exclusão, sobre suas atividades comunicativas complexas (PENNYCOOK E MAKONI, 2020). Essa perspectiva problematiza, por exemplo, a visão euro-americana presente nas concepções anteriores, expandindo o escopo para se compreender as relações entre urbano e rural, formal e informal, oral e escrito, entre outros, em espaços subalternizados pela história do colonialismo (Sul Global).  Neste projeto, buscamos um engajamento com essa abordagem em diálogo com as experiências coloniais e um olhar decolonial.

No âmbito das políticas educacionais bilíngues e multilíngues em Moçambique, mencionamos a importância do Projecto de Experimentação da Escolarização Bilingue em Moçambique (PEBIMO), aplicado, entre os anos 1993-1997. Com base nesta experiência, a partir de 2003, foram introduzidas as seguintes línguas, por província: Cabo-Delgado (Emakhuwa, Shimakonde, Kimwani) Niassa (Emakhuwa, Cinyanja, Ciyao), Nampula (Emakhuwa do interior e do litoral), Zambézia (Elomwé, Echuwabo), Tete (Cinyungwe, Cinyanja), Sofala (Cisena, Cindau), Manica (Cindau, Citewe), Inhambane (Citshwa, Citonga, Cicopi), Gaza (Xichangana, Ciopi), Maputo (Xirhonga, Xichangana) (PATEL, 2006; NHAMPOCA, 2015). Em 2019 foi lançada a primeira edição do documento Estratégia de expansão do EB 2020 – 2029, propondo uma estratégia de expansão criteriosa, gradual e sustentável da EB. Dentre os focos deste documento estão: i) Mobilização comunitária, ii) Formação de recursos humanos, iii) Provisão de livro escolar e iv) Transição da L1 para L2 como meio de ensino (PATEL, 2006; NHAMPOCA, 2015).

No contexto angolano, por seu turno,  mencionamos a Lei de Bases do Sistema de Educação (ANGOLA, 2001), motivou algumas iniciativas oficiais de educação bilíngue em Angola, a exemplo da criação do projeto IEL – Inovação no Ensino da Leitura em Angola, pelo Ministério da Educação, que tinha como objetivo inscrever as línguas nacionais na educação primária de algumas escolas localizadas em áreas rurais. Contudo, a despeito de uma política do Estado em prol da educação bilíngue, averigua-se alguns pontos frágeis, tais como: (i) indefinição sobre o estatuto das línguas nacionais; (ii) falta de pesquisas prévias sobre o modelo de educação bilíngue a se adotar em Angola; (iii) carência de uma estrutura humana, técnica e didática para a execução de um projeto bilíngue; (iv) ausência de um diálogo concreto entre a proposta bilíngue e a realidade das comunidades; (v) dificuldade de acesso às áreas rurais onde estão os maiores falantes de línguas bantu; (vi) divulgação escassa de relatórios e avaliações sobre a execução do projeto bilíngue. (SEVERO; SASSUCO;  BERNARDO, 2019)

Neste projeto de extensão, ao aproximar três contextos educacionais – Moçambique, Brasil e Angola – em que o ensino de língua portuguesa é um elemento fortemente orientador de políticas de letramento, buscamos salientar e dar visibilidade às especificidades educacionais em relação: ao conceito e ao tratamento da diversidade linguística na esfera escolar; ao tratamento e conceito de oralidades e ao papel dos letramentos políticos na formação de estudantes e professores. Compreendemos letramentos políticos como formas práticas sociais que operam na constituição de relações de identidade e poder dos sujeitos envolvidos nessas práticas (SILVEIRA, 2020; STREET, 2014; FREIRE, 1987).

JUSTIFICATIVA

No cenário brasileiro, esta proposta dialoga, mais especificamente, com os esforços em torno do reconhecimento de legitimação de heranças africanas e indígenas na formação cultural e linguística brasileira, conforme o Plano Nacional para Implementação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Ministério da Educação, 2004). Sabemos que esse plano é fruto de uma série de iniciativas anteriores como: Programa de Ação Afirmativa (PAA); Lei 10.639/03, posteriormente alterada para 11.645/08; SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção para Igualdade Racial); SECAD (Secretaria de Educação a Distância, Alfabetização e Diversidade);  Estatuto da Igualdade Racial, lei 12.288/10;  e o Sistema de Cotas nas Universidades Públicas. Compreendemos esta série de atos jurídico-administrativos como reflexos de uma história de luta dos movimentos negros no Brasil, em prol de reconhecimento das heranças africanas e do legado afro-brasileiro. Este projeto de extensão, ao dialogar com colegas angolanos e moçambicanos, propõe reforçar elos entre estes países no que tange ao compartilhamento de práticas pedagógicas e metodológicas de ensino de línguas, atentando para as heranças africanas na formação afro-brasileira e brasileira.

Em Moçambique e em Angola atentamos para o empenho em prol da institucionalização e expansão da educação bilíngue, em atenção à Estratégia de expansão do EB 2020 – 2029 (Moçambique) e à Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino de Angola (32/20) e ao projeto IEL – Inovação no Ensino da Leitura em Angola (Ministério da Educação, Angola). Registre-se que em Moçambique, entre 2003 e 2018, o número de escolas com EB aumentou de 14 para 1.907, e a quantidade de estudantes cresceu de 700 para 237.958, o que sinaliza para a ampla experiência educacional em Moçambique em relação à educação bi/multilíngue (PATEL, 2006; NHAMPOCA, 2015). Já em Angola, os desafios enfrentados são inúmeros, exigindo soluções, muitas vezes, pontuais e não institucionalizadas.  Ressaltamos que Angola e Moçambique integram uma estatística mais ampla em prol da educação multilíngue: segundo a UNESCO, 70% dos contextos linguísticos mundiais são multilíngues e, portanto, demandam abordagens de língua complexas.

Assim, este projeto reconhece que política linguística educacional deve lidar com a diversidade linguística pensada a partir das dinâmicas sociais e políticas próprias, que produzem assimetrias e pluridades discursivas. Esse pluridiscurso inclui um repertório semiótico e verbal que indexa significados sociais e identitários variados. No contexto brasileiro, se o foco não são as línguas maternas – com exceção da educação indígena ou bilíngue para surdos, por exemplo – isso não significa que a diversidade não tenha o seu lugar.

OBJETIVO GERAL

Estabelecer um diálogo entre as políticas linguísticas e a esfera educacional em contextos períféricos e marginais no Brasil, Moçambique e Angola, enfocando o conceito de oralidade, as porpostas multilingues e os letramentos políticos em Angola, Brasil e Moçambique.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  1. Promover espaços de debate sobre conceitos de educação bi/multilíngue, oralidade e letramento político entre professores e estudantes de universidades brasileiras (UFSC e UNILB), moçambicana (UEM) e angolana (Instituto Superior de Ciências da Educação)
  2. Analisar o sentidos de oralidade nos diferentes contextos educacionais, atentando para os modos de ensino de línguas sem aparato escrito.
  3. Destrinchar os significados de oralidade em relação com as noções de prática oral e tradição oral, a partir de perspectivas teóricas e locais, sejam elas indígenas, africanas ou europeias.
  4. Discorrer, no âmbito da esfera educacional, sobre o significado da linguagem tomada como experiência, sinalizando para o papel do corpo, da estética, da musicalidade, dos ritmos e da natureza (vida não-humana) na construção de sentidos de língua.
  5. Propor contribuições teórico-metodológicas para as políticas educacionais contemporâneas de ensino da língua portuguesa e línguas nacionais angolanas e moçambicanas, no que diz respeito à oralidade.

METODOLOGIA

  1. Diálogos com determinadas comunidades – lideranças, professores, agentes da escola e comunidade – nos 3 países e estabelecer diálogos e aproximações entre eles. Esses diálogos buscam compreender e valorizar as experiências de ensino e aprendizagem de línguas, atentando para a relação com o contexto local, as práticas de linguagem compartilhadas pela comunidade e a relação da esfera escolar com seu entorno.
  2. Rodas de conversa com representantes das comunidades e com pessoas que têm atuado nas práticas de ensino e aprendizagem de contextos marginais ou periféricos, como comunidades rurais, quilombolas, educação intercultural indígena, educação de populações itinerantes, educação ambiental.
  3. Revisar as categorias de língua, comunidade, oralidade, ensino e aprendizagem a partir das experiências em conjunto com as comunidades (pesquisação).
  4. Promover a produção de textos reflexivos sobre essas experiência com vistas a publicação e divulgação das vozes locais em diálogo com a esfera acadêmica.
  5. Valorizar as práticas de escuta como parte das experiências de ensino e aprendizagem.

 

SELEÇÃO DE BOLSISTAS PIBIC – CHAMADA E RESULTADOS

       

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BERNARDO, Ezequiel Pedro José. Identidade linguístico-cultural: fragmentos de enunciados proverbiais da língua kimbundu. Revista Digital de Políticas Lingüísticas (RDPL), v. 11, 2019, p. 114-129.

BERNARDO, Ezequiel Pedro José; SEVERO, Cristine Gorski. Políticas Linguísticas em Angola: Sobre as Políticas Educativas In(ex)clusivas. Revista da Abralin, v. 17 , n. 2, p. 210-233, 2018.

CAMAROFF, Jean; CAMAROFF, John. Theory From the South: Or, How Euro-America is Evolving Toward Africa. London: Paradigm Publishers, 2012

CONNELL, R. Southern Theory. Allen & Unwin. NSW: 2007.

FINNEGAN, Ruth. The how of LiteratureOral Tradition, 20/2, 2005. p 164-187.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GLISSANT, É. Introdução a uma Poética da Diversidade. Juiz de Fora: UFJF, 2005.

LANGA, D.; NHAMPOCA, E.; SEVERO, C. Moçambique e A Bantunização da Língua Portuguesa: Um Olhar Para Além Das Estatísticas Linguísticas (a sair).

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HAMPATÉ BÂ, A. A tradição Viva. In: KI-ZERBO, J (org). História Geral da África: Metodologia e pré-história da África, vol. 1. São Paulo: UNESCO, 2010, p. 167-212

PATEL, Samima Amade. Olhares sobre a educação bilíngüe e seus professores em uma região de Moçambique / Samima Amade Patel. — Campinas, SP : [s.n.], 2006. Orientadora : Marilda do Couto Cavalcanti. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

PENNYCOOK, Alastair; MAKONI, Sinfree. Innovations and Challenges in Applied Linguistics from the Global South. Abingdon: Routledge, 2020.

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STREET, Brian V. Letramentos sociais. Abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2014.

SEVERO, Cristine Gorski; SASSUCO, Daniel; BERNARDO, Ezequiel P. J. Português e Línguas Bantu na educação angolana: da diversidade como ‘problema’. LÍNGUA E INSTRUMENTOS LINGUÍSTICOS, v. 43, p. 290-307, 2019.

SEVERO, Cristine Gorski; MAKONI, Sinfree. B. Políticas Linguísticas Brasil-África: Por uma perspectiva crítica. Florianópolis: Insular, 2015.

SEVERO, Cristine Gorski. Unesco e a Educação Multilíngue: revisões e problematizações. Travessias Interativas, 2020.

SEVERO, Cristine Gorski. Oralidade, prática social e política linguística. Letra Magna (Online), v. 15, p. 465-484, 2019.

SILVEIRA, Alexandre. Letramento político: por uma educação linguística democrática. Travessias Interativas, 2020.

 

PARCERIAS